quinta-feira, 28 de março de 2013

PASTAGENS DO RELENTO - XVIII - ABSURDO E ABSTRACTO

Há este fogo que arde,
este gelo, abstracto,
um tudo nada absurdo
que baila
pela noite dentro
e, eu, aquecido
e gelado
respondo a perguntas
do vento,
coisas sem importância,
sem sentido,
bailados de luz,
frigidez corpórea.
O que é a vida que morre,
o que é a morte que vive,
distâncias inúteis
em viagens que o segredo
segreda por amor
ao amor que não se tem.
Este poisar ardente,
esta frieza pulsante
saltam da morte,
invadem a vida
e perguntam ao vento
que caminho,
que destino,
este, o de não ir,
absurdo e abstracto.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 28 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H11 e as 15h33.

quarta-feira, 27 de março de 2013

PASTAGENS DO RELENTO - XVII - PÁGINAS DE VIDA

No lago das páginas,
a caneta de sangue
escreve o infinito
da verdade que paira
sobre a água complexa
do mistério inocente.
Bebo o sentido pleno
das sílabas expostas
em quadros de sentidos
e, sem reticências, respiro
a pureza das lâminas
que me rasgam por dentro.
O sangue brota,
lago de palavras,
páginas de vida.
Tudo para que a origem
seja o fim de nada.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 27 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 13H25 e as 13h37.

terça-feira, 26 de março de 2013

PASTAGENS DO RELENTO - XVI - VIAGEM

Estranha viagem
ao carimbo da ossatura
que me possui,
vaga etérea
que se esfuma no tabaco
que fumo
e que, em argolas de futuro,
dissipam sorrisos,
descobrem ilusões,
em cada cigarro imaginado
nesta estátua de ver
o silêncio que canta,
a voz que emudece
e o abraço da morte
à vida que renasce
por entre tertúlias
de palavras fartas,
de pautas que escrevo
em nome dos sons
em que o fumo viaja.
Carimbado estou,
esqueleto de ser.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 26 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H07 e as 15H23.

segunda-feira, 25 de março de 2013

PASTAGENS DO RELENTO - XV - DEVAGAR VAGUEIO

Bebo o sal amargo da vida
por esse copo de sargaço,
relance estático
de uma composição sem alfabeto,
sonoridade cosmopolita
de um diafragma digital,
objetiva radioativa
que observa, sem observar,
o sentido heroico de ser
a hipérbole de uma ideia,
essa distorção angular,
esse percalço celular
do disfarce que se estimula
para se conceber o roubo
da verdade que se recusa
ao quotidiano da respiração,
poluído pela densidade visceral
de um grito que tudo excede,
até a morte programada
pela duplicidade autoral
do pedantismo efémero.
O copo esgotou a memória,
o líquido, este sangue eremita,
edita cada rastro diário
nos pulsos secretos de um suicídio involuntário.
Devagar, vagueio,
vagabundo de todos os lastros alfabetizados.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 25 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H02 e as 15h31.

quarta-feira, 20 de março de 2013

PASTAGENS DO RELENTO - XIV - CREPÚSCULO SINGULAR

Nesta viagem  tumular de razões irrisórias
a busca contínua de ser
um intervalo de vida,
a morte que descende de um encanto
nos braços de um sonho
que se revela, sem desespero,
longe de uma monotonia agreste,
essa inscrição da lápide coerente
onde, um tempo sem ilusões,
descreve os simples degraus
de um passado que viveu o futuro
sem que o seu edifício verbal
fosse a nespreira de um crepúsculo singular.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e Postado, diretamente, no blogue, em 20 De Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 13H12 e as 13H29.

quinta-feira, 14 de março de 2013

PASTAGENS DO RELENTO - XIII - DISPERSO

Pego na caneta prateada
com relutância
escrevo palavras sem sentido
com o sentido que elas devem ter.
Rasgo o luto profundo
da distância
que se escapa entre os dedos da vida
para se encontrar com os limites
da infância
e devolver à arquitectura dos casulos
o embrião da refinaria
que desperdiça a morte
e engana a flor do tempo
com a fragrância
dos olhos que tudo abraçam
por nada verem
à luz da noite que os cansa.
Não sei escrever
porque aprendi a ler sem me ler
entre as linhas que passam
escorreitas
pelo descontrolo das emoções
pelo consolo da sensibilidade
pelas sintonias das fragilidades
perfeitas
nos seus actos de serem o que nada são
ao erguerem no filão dos sentimentos
as amantes que nada amam
nos comboios do peito
carruagens de velhos viajantes
que viajam pelo prazer de descobrirem o descoberto
nas peregrinações ao deserto do pranto
fugitivos
que corrompem o imperfeito
desfilando na ferrugem das vagas
atracando-se a portos decadentes
e elevando-se na espuma do caos
em gruas de tinteiros vazios
cativos
das reticências vulgares
e dos polegares que desenham em telas
os medos da sua mudez ruidosa.
Disperso
ameaço a ameaça do silêncio
com as passadas largas da truculência
marcando o ritmo da fluência
e o espartilho das infuências
com a esponja da delicadeza.
Adverso
passo por onde não passarei
se cada passo for um desejo que não desejo
um sopro que não se sopra
sobre as cinzas do cigarro que se apagou
como quem apaga a tristeza
à profundidade da sua natureza.
Preverso
carimbo as sombras do tacto
puxo o gatilho do amor
beijo a falência do sarcasmo
e invento à dose do ciúme
o lastro do escape puído
pelos anúncios da fuga luminosa.
Converso
com os lutos da minha consciência
e sou um deleite
nas vírgulas da escrita
que, pausa a pausa,
reflectem a resistência da febre que me cospe
para o tempo em que nada sou
sabendo o que sei e o que não dou
à claridade da lucidez
que se pergunta sem perguntar
por onde vou e para onde vou
amante
de amores sem mim.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 10 de Outubro de 2011, escrito na Cinemateca Portuguesa.
Revisto e postado, em 14 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 14H28 e as 15H02.

quinta-feira, 7 de março de 2013

PASTAGENS DO RELENTO - XII - CHUVA DA VIDA

Está um dia de chuva!
Chove e não sei o nome da chuva.
Tudo é esta realidade de não ser a realidade 
que a realidade da sede bebe
em nome do nome que desconhece
ou será o seu nome e o meu, que é simples e real,
o concreto de um desconcerto
em que se conserta o concerto que sou
eu, e a chuva que me acena do outro lado da rua
que não é o meu
porque, eu, chuva que não se ouve, nem se vê
sou a rua do mundo que não é mundo,
é tudo o que sou na rua da chuva
que, em sons de alfabeto mudo,
escreve a realidade do tempo
em que eu não calo a boca sedenta,
nem este corpo de chuva que vagueia
entre a astúcia e a audácia
de ser uma ideia imaginária na realidade da imaginação
ou a imaginação ideária da chuva que é real
mas passageira no estado liquido
desta solidez que a conforta
como se os sorrisos de uma infância perdida
desaguassem na chuva da vida
água que bebo para crescer por dentro
da chuva que, sem idade, me sofre, inteiro,
para alimentar as partículas deste universo
que sou, eu, chuva de tudo o que é mais doce.    
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 07 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H52 e as 16H20.