quinta-feira, 14 de março de 2013

PASTAGENS DO RELENTO - XIII - DISPERSO

Pego na caneta prateada
com relutância
escrevo palavras sem sentido
com o sentido que elas devem ter.
Rasgo o luto profundo
da distância
que se escapa entre os dedos da vida
para se encontrar com os limites
da infância
e devolver à arquitectura dos casulos
o embrião da refinaria
que desperdiça a morte
e engana a flor do tempo
com a fragrância
dos olhos que tudo abraçam
por nada verem
à luz da noite que os cansa.
Não sei escrever
porque aprendi a ler sem me ler
entre as linhas que passam
escorreitas
pelo descontrolo das emoções
pelo consolo da sensibilidade
pelas sintonias das fragilidades
perfeitas
nos seus actos de serem o que nada são
ao erguerem no filão dos sentimentos
as amantes que nada amam
nos comboios do peito
carruagens de velhos viajantes
que viajam pelo prazer de descobrirem o descoberto
nas peregrinações ao deserto do pranto
fugitivos
que corrompem o imperfeito
desfilando na ferrugem das vagas
atracando-se a portos decadentes
e elevando-se na espuma do caos
em gruas de tinteiros vazios
cativos
das reticências vulgares
e dos polegares que desenham em telas
os medos da sua mudez ruidosa.
Disperso
ameaço a ameaça do silêncio
com as passadas largas da truculência
marcando o ritmo da fluência
e o espartilho das infuências
com a esponja da delicadeza.
Adverso
passo por onde não passarei
se cada passo for um desejo que não desejo
um sopro que não se sopra
sobre as cinzas do cigarro que se apagou
como quem apaga a tristeza
à profundidade da sua natureza.
Preverso
carimbo as sombras do tacto
puxo o gatilho do amor
beijo a falência do sarcasmo
e invento à dose do ciúme
o lastro do escape puído
pelos anúncios da fuga luminosa.
Converso
com os lutos da minha consciência
e sou um deleite
nas vírgulas da escrita
que, pausa a pausa,
reflectem a resistência da febre que me cospe
para o tempo em que nada sou
sabendo o que sei e o que não dou
à claridade da lucidez
que se pergunta sem perguntar
por onde vou e para onde vou
amante
de amores sem mim.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 10 de Outubro de 2011, escrito na Cinemateca Portuguesa.
Revisto e postado, em 14 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 14H28 e as 15H02.

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